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Da possibilidade de utilização de videoconferência na fase investigativa

No Estado de Minas Gerais está sendo implementado o chamado plantão digital, realizado por videoconferência, que tem a finalidade de otimizar o trabalho da Polícia Civil.

Tal como já ocorre nos estados do Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Tocantins e Goiás, essa modalidade de plantão, prevista no substitutivo de projeto de lei mineiro nº 802, de 2019, é caracterizada pela presença policial civil em dois ambientes territoriais distintos, sendo um no plantão da Delegacia de Polícia do local da ocorrência do fato e outro no local de funcionamento da Deplan Digital, sendo a comunicação entre elas feita em tempo real, através de videoconferência (art. 3º, caput).

Seu funcionamento ocorre da seguinte maneira: no plantão da Delegacia de Polícia do local da ocorrência do fato, tal como ocorre normalmente, são recebidos, na hipótese de flagrante delito, os condutores, as vítimas, os investigados/indiciados, as testemunhas, além de registros de eventos de defesa social, pessoas, objetos e valores apreendidos (§1º, art. 3º); no local de funcionamento da Deplan Digital atuam, de forma remota e em tempo real, através de videoconferência, o Delegado de Polícia e o Escrivão de Polícia, sendo que aquele decide e ordena juridicamente a formalização dos atos realizados por este último (§2º, art. 3º).

De acordo com os artigos 4º e 5º do projeto de lei nº 802, de 2019, verbis:


Art. 4º – O Plantão Digital da PCMG, na unidade em que for implantado, implica:

I – presença física de Investigador de Polícia para cumprimento do protocolo de que trata o inciso III do artigo 2°, na unidade em que for implantado;

II – atendimento de ocorrências da área circunscricional da Delegacia de Polícia do local da ocorrência do fato por Investigadores de Polícia e outros servidores de apoio, se houver;

III – pressuposição de fé pública, derivada da presunção de veracidade, inerente a todo ato administrativo praticado por servidor público;

IV – apresentação, ao Delegado de Polícia, de pessoas e objetos, por meio de instrumentos e tecnologias audiovisuais e digitais, a propiciar decisão pela lavratura de auto de prisão em flagrante e outros atos de polícia judiciária;

V – apresentação do preso ao Delegado de Polícia do lugar mais próximo em que ocorrer a infração penal, quando o Delegado de Polícia da Deplan Digital assim o decidir.

VI – execução, à distância, de atos procedimentais de polícia judiciária, como depoimentos, declarações e acareações, evitando-se deslocamentos desnecessários de vítimas, testemunhas e condutores, sem prejuízo do sigilo próprio da fase investigativa;

VII – celeridade na produção de provas, sob a primazia dos direitos fundamentais e dos princípios da administração pública; e

VIII – garantia da atuação da defesa do conduzido e da vítima em quaisquer dos dois ambientes territoriais de atendimento, em cumprimento ao inciso LXII do art. 5o da Constituição Federal.


Art. 5º – Os atos e procedimentos de polícia judiciária decorrentes do Plantão Digital serão documentados por instrumento e tecnologias audiovisuais e digitais, podendo ser assinados eletronicamente, e assim submetidos ao Juiz de Direito competente para o respectivo exame.

§ 1º – O integrante da Polícia Civil com atuação no local em que se encontrar o conduzido, sob ordem, executará determinações e garantirá a regularidade do que vier a ser custodiado, vistoriado, apreendido, recolhido ou restituído, observado o art. 6º do Código de Processo Penal.

§ 2º – Cumprido o disposto no caput os autos serão encaminhados à Delegacia de Polícia da circunscrição onde ocorreu a infração penal para o prosseguimento da investigação criminal.

Já há muito que a sociedade reclama por atendimentos mais céleres por parte de seus agentes, principalmente aqueles ligados à área da segurança pública. Décadas de sucateamento da atividade policial impediram que a polícia civil, efetivamente, exercesse todas funções a ela constitucionalmente destinadas, vale dizer, que cumprisse não somente as funções de polícia judiciária, auxiliando o Poder Judiciário a ver cumpridas suas decisões, mas como, e principalmente, exercendo a maior delas, isto é, a função investigativa.

À medida que os anos foram passando, a população aumentando e a criminalidade crescendo, a Polícia seguiu, proporcionalmente, o caminho oposto, via de regra com diminuição de seu quadro de pessoal, ficando cada vez mais aquém da realidade necessária ao desenvolvimento de suas funções. Assim, todo o aparato policial encontra-se sobrecarregado, e a sociedade reclama, com razão, que suas demandas não são atendidas em tempo hábil.

Importante salientar que vivemos uma era tecnológica, e essa tecnologia deve ser utilizada a nosso favor, tanto na fase processual, quanto na fase pré-processual, protegidos os direitos fundamentais, individuais e coletivos. Nas investigações policiais, o recurso tecnológico substituiu, mesmo que não completamente, o bom e velho investigador, que fazia seus levantamentos no “boca à boca”, infiltrado em meio à multidão. Hoje, uma escuta telefônica cumpre esse papel e amplia o leque de pessoas investigadas. Novos tempos, novas estratégias.

No entanto, tudo o que é novo choca, principalmente para aqueles que se apegam a um garantismo exagerado. Quando a possibilidade de monitoramento eletrônico chegou ao Brasil, os hiperbólicos diziam, como sempre fazem, que aquele recurso era ofensivo à dignidade da pessoa humana, porque o preso ficaria identificado, entre seus pares, como alguém condenado (ou não, nos casos das medidas cautelares) pela Justiça Penal. Diziam que se uma das lutas da Justiça Penal era evitar o estigma de uma condenação, o uso da tornozeleira eletrônica, na verdade, aumentaria esse estigma, uma vez que a pessoa que a utilizaria ficaria por ela marcada.

Como se percebe, mesmo tendo por finalidade manter alguém fora do convívio pernicioso do cárcere, ainda assim havia os críticos que diziam que uso da tornozeleira era ofensivo ao princípio da dignidade da pessoa humana, em razão da indevida exposição de seu usuário.

A discussão, agora, deixou de ser o uso da tornozeleira, e passou a se concentrar na possibilidade de realização de atos (judiciais ou não) por videoconferência.

O uso de videoconferência já não é novo no Brasil. Mesmo que atualmente seja utilizado de forma comedida, existe previsão de sua utilização em vários diplomas legais, a exemplo do que ocorre no Código de Processo Penal:

Art. 185. O acusado que comparecer perante a autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.

(...)

§ 2o Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:

III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código.

§ 3o Da decisão que determinar a realização de interrogatório por videoconferência, as partes serão intimadas com 10 (dez) dias de antecedência

§ 4o Antes do interrogatório por videoconferência, o preso poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 deste Código.

§ 5o Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.

§ 6o A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Art. 217. Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido, de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.

(...)

§ 3o Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento

Na Lei de Execução Penal:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características

(...)

VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do preso.

Nesses casos, poderia se argumentar, corretamente, que as realizações de audiências através da videoconferência são excepcionais. Contudo, isso se deve ao fato de que todas essas audiências são presididas por juízes de direito, caso em que prevalece o chamado princípio da identidade física, obrigando o julgador a ter contato direto e imediato com todos aqueles envolvidos no processo penal, que culminará com a condenação ou mesmo a absolvição do acusado.

Mesmo diante desse princípio, entendemos que a realização de qualquer ato processual por videoconferência, presidido pelo magistrado, não o inibirá de ter contato, perceber as expressões, as emoções daquele que se encontra do outro lado da tela. Tenho certeza de que ainda evoluiremos para essa realidade. Por enquanto, pelo menos aqui, ainda prevalecem as vozes do exagero, daqueles que ainda gostariam que as sentenças penais fossem escritas à mão, pela caneta à pena do magistrado, para que não houvesse dúvida a respeito de sua autenticidade.

Embora tenha mencionado com ironia, a discussão apontada foi real, a seu tempo. Logo que surgiu a máquina de datilografar, com a sua utilização pelos juízes, muitos se levantaram contrariamente ao seu emprego na Justiça, argumentando que, através dela, não se poderia afirmar, com precisão, ter sido o julgador o prolator da sentença. Assim, foram obrigados a rubricar todas as folhas e assinar a sentença ao final. Em seguida, com a utilização dos computadores e com a consequente possibilidade de processos digitais, mais uma vez, foi questionada a assinatura digital por parte dos magistrados. Como já dito anteriormente, o novo choca, e precisa de tempo para adaptação.

Merece ser frisado, no entanto, que o referido princípio da identidade física do juiz não se aplica aos delegados de polícia, que nada julgarão, mas sim emitirão uma decisão administrativa, amparada pelo direito constitucional e processual. Ter contato pessoal, presencialmente ou não, com os envolvidos numa infração penal (investigados, condutores, testemunhas, vítimas etc.) em nada interferirá no andamento das investigações. O fato de conduzir, por exemplo, à distância, via videoconferência, a lavratura de um auto de prisão em flagrante que, em 24 horas, será encaminhado para a avaliação de juiz competente, em nada prejudicará os interesses do investigado e esse comportamento, por óbvio, nada tem a ver com mácula à dignidade da pessoa humana. É de se desprezar esse tipo de raciocínio, ao argumento de que o princípio só restaria cumprido se o delegado de polícia estivesse in loco, pessoalmente, no lugar da lavratura do auto.

Importante ressaltar que, mesmo excepcionalmente, é possível ao magistrado utilizar a videoconferência. Assim, como bem exposto por Nyeda Yuri Santos Kiyota Dan:


“Se ao magistrado que produz o seu juízo de valor com base em todos os princípios e fundamentos constitucionais, bem como nos fatos inerentes a infração penal e pessoa do acusado, buscando estar o mais próximo possível à verdade real, lhe é concedido o uso da videoconferência, deve-se o mesmo aplicar com mais razão ao Delegado, haja vista, ter o flagrante natureza administrativa, ao dispensar ordem judicial conferindo somente detenção do suposto agente e não tendo condão de contaminar eventual instauração de processo crime, restando unicamente a autoridade judiciária manifestar-se acerca do relaxamento ou não da prisão, sem a imprescindível consagração da ampla defesa e contraditório.


KIYOTA DAN, Nyeda Yuri Santos.A videoconferência no interrogatório da prisão em flagrante. In Colloquium Socialis, Presidente Prudente, v. 01, n. Especial 2, Jul/Dez, 2017, p.146-151. DOI: 10.5747/cs.2017.v01.nesp2.s0128


Na verdade, podemos apontar enormes benefícios com a criação do Plantão Digital, já identificados por aqueles que vivem essa realidade, ou seja, os policiais que atuam em cidades cujo acesso dificulta um atendimento rápido, seja por falta de pessoal, ou mesmo pela distância, a saber:


“1. Com o Plantão Digital, onde for implantado, será possível o encerramento de ocorrência na Delegacia de Polícia do local do fato, nas 24 horas por dia, dispensando-se deslocamentos até a sede do plantão regionalizado.


2. Reduz o sofrimento das vítimas e torna menos oneroso o dever de testemunhar sobre fatos em ocorrências policiais, na medida em que não se deslocarão por longa distância para serem inquiridas na Delegacia de Polícia sede do plantão regionalizado. Ao mesmo tempo, protege policiais, vítimas, testemunhas e advogados de riscos de acidentes de trânsito, como já ocorridos em Minas Gerais.


3. Diminui a interrupção ou descontinuidade do policiamento na circunscrição do local do fato, inibindo a ação de infratores que se aproveitam da ausência da guarnição policial para a prática de crimes. E, ainda, reduz o tempo de espera de policiais na Delegacia de Policia, possibilitando rápido retorno do patrulhamento preventivo.


4. Fortalece a ideia de que a polícia judiciária é realizada por meio do trabalho em equipe, no qual todos profissionais têm valor essencial em suas esferas de atribuição.


5. Porque, remotamente, o Delegado de Polícia exerce sua função administrativa essencial de dizer o direito, fundamentadamente, executando decisões jurídicas sobre os fatos que lhe são apresentados, numa relação solidária do ponto de vista profissional.


6. A atividade do Delegado de Polícia de Plantão consiste em executar o exame dos fatos e do direito, numa operação de natureza jurídico-cognitiva, sendo que a presença física de sua equipe no local da ocorrência do fato, mais as imagens e as vozes, à distância, não afeta os juízos de certeza e, daí, as decisões que serão efetivas e seguras.


7. Os Investigadores de Polícia, diante da fé pública que possuem, acompanharão a regularidade material e a fidedignidade da situação fática a partir do local da ocorrência. Isto valorizará a voz profissional do Investigador de Polícia.


8. O sistema de videoconferência ou telepresença permitirá reduzir o empenho e movimentação física de policiais civis em plantões espalhados pelo Estado. Estima-se ter Delegacias de Polícia em melhores condições de trabalho para a investigação criminal por otimizar a energia profissional dedicada aos atos de formalização de prisões e de apreensões. Projeta-se empregar melhor o tempo de trabalho, pois um Delegado de Polícia de Plantão poderá responder, simultaneamente, por vários dos atuais plantões regionalizados, evitando-se ociosidade durante o tempo em que não são apresentadas ocorrências no plantão. É que, não raramente, essa ociosidade ocorre atualmente, impactando negativamente na força de trabalho da PCMG, na medida em que aqueles profissionais escalados para o Plantão usufruem de folgas compensativas. O Plantão Digital, assim, permitirá otimizar o emprego do esforço profissional da equipe policial civil.


9. No cenário atual é importante gerar economia aos cofres públicos, com a redução do consumo de combustíveis de viaturas e do desgaste de veículos em razão dos deslocamentos. A medida implicará ainda economia para vítimas, testemunhas, advogados e até para o poder público municipal do local do fato, diante da redução dos gastos com o deslocamento até a sede do plantão regionalizado.


10. A tecnologia é cada vez mais uma realidade na vida de indivíduos e instituições públicas e privadas. Com o emprego de tecnologia é possível aumentar o emprego de policiais civis no expediente, assim como a capacidade produtiva da Polícia Civil, sem ônus para o estado e sem elevado sacrifício para os profissionais do plantão. Ao mesmo tempo, isso aumentará a capilaridade da Polícia Civil em Minas Gerais.


11. Algumas Polícias Civis de outros Estados já adotam o sistema de teleconferência em seus plantões, com sucesso e reconhecimento positivo de servidores, da sociedade e de órgãos e instituições do sistema de justiça no Brasil.


12. A PCMG tem condições de escolher e implantar tecnologias adequadas ao melhor funcionamento de seus serviços”.


Não há que se falar, ainda, que o Estado de Minas Gerais não poderia, através de projeto de lei, criar esse tipo de atendimento virtual, porque ofenderia a competência legislativa da União para legislar em matéria processual penal, nos termos preconizado pelo inciso I do art. 22 da Constituição Federal.


Isso porque, diz o art. 24, inciso XI, na nossa Carta Magna, verbis:


Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

(...)

XI – procedimentos em matéria processual.


Como é do conhecimento de todos, o inquérito policial é um procedimento de natureza administrativa, preparatório para a ação penal, que poderá ser proposta tanto pelo Ministério Público (nos casos em que a ação penal seja de iniciativa pública), como pelo particular (nas ações de iniciativa privada). Embora pudessem os Estados legislar, concorrentemente com a União, sobre essa matéria, o que se tem em mira não é modificar, em nada, a essência do inquérito policial, mas sim levar a efeito uma melhor prestação de serviço na área de segurança pública.


No projeto de lei estadual não se exclui ou inclui absolutamente nada que diga respeito ao inquérito policial, ou mesmo à fase que o antecede, com o recebimento de Boletins de Ocorrência, quando o delegado de polícia os analisará e decidirá pela abertura, ou não, do inquérito policial.


Aqui se tem em mira uma questão de logística, de estratégia para o bom cumprimento das funções policiais, especificamente no que diz respeito a um atendimento célere, seguro e econômico para todos os envolvidos. Como bem apontado por Antônio Onofre Oliveira da Silva Filho, em artigo intitulado “A atuação remota do Delegado de Polícia”:


“citamos como exemplos experiências exitosas na realização de autos de prisão em flagrante realizados totalmente por intermédio do sistema de videoconferência , seja em razão da falta de efetivo, seja em razão da distância a ser percorrida pelos responsáveis pela captura dos sujeitos em situação de flagrância . A adoção do sistema de videoconferência durante a investigação criminal aperfeiçoa e acelera a conclusão das investigações, pela eliminação de despesas referentes ao deslocamento, de cartas precatórias, além de beneficiar o erário público, poupando recursos hoje despendidos, além de se aproveitar, de forma lícita, dos meios tecnológicos que podem ajudar a Polícia Judiciária no esclarecimento das infrações penais”.


SILVA FILHO, Antônio Onofre Oliveira da. A atuação remota do Delegado de Polícia. In https://emporiododireito.com.br/leitura/a-atuacao-remota-do-delegado-de-policia, acessado em 18 de abril de 2020.


Pelas razões expostas, não podemos concordar com os apontamentos técnicos levados a efeito pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCRIM que, buscando refutar o citado projeto de lei estadual nº 802, de 2019, elencou três pontos que, segundo afirmam, impediriam a sua aprovação, a saber:


a) Inconstitucionalidade quanto à competência para legislar sobre Processo Penal;


b) Inconstitucionalidade e afronta à Convenção Americana de Direitos Humanos no tocante aos direitos e garantias fundamentais individuais;


c) Afronta à Resolução 213/215 do CNJ.


A primeira delas, vale dizer, inconstitucionalidade quanto à competência para legislar sobre Processo Penal, como já afirmamos anteriormente, não tem razão de ser, haja vista que a legislação estadual não está modificando o Código de Processo Penal, com a criação de normas de natureza processual, mas tão somente regulamentando procedimentos a serem adotados na fase investigativa, com base no que dispõe o inciso XI, do art. 24 da Constituição Federal.


Não fosse assim, os Tribunais não poderiam editar normas relativas aos seus procedimentos, inseridas em seus regimentos internos.


Alegam, também, inconstitucionalidade e afronta à Convenção Americana de Direitos Humanos no tocante aos direitos e garantias fundamentais individuais, citando art. 7º, tópico 5, da referida Convenção, que diz:


5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.”


Trazem como argumento, ainda, o artigo 8º, tópico 2 e alínea c, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que dispõe sobre as GARANTIAS JUDICIAIS, verbis:


2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa;


Como se percebe, sem muito esforço, o projeto de lei estadual nº 802, de 2019, em nada colide com os artigos da referida Convenção que, diga-se de passagem, são dirigidos ao Poder Judiciário, e não às policias em geral. O problema, na verdade, é que grande parte de nossos juristas passaram a adotar uma visão garantista monocular, na qual qualquer inovação é demonizada, mesmo que isso não faça o menor sentido, como já alertamos anteriormente quando tentaram impedir a utilização das tornozeleiras eletrônicas, sob o falso argumento de que eram ofensivas à dignidade da pessoa humana.


Ao contrário do que aduzem, aqui, com a adoção do Plantão Digital, o investigado/indiciado será imediatamente levado perante à presença virtual da autoridade policial, que tomará as providências necessárias, preservando-lhe os direitos e as garantias fundamentais.


Da mesma forma, é completamente sem sentido a alegação de afronta à Resolução nº 213, de 2015, do CNJ. A referida resolução, em nenhum de seus artigos proíbe ou mesmo induz à proibição de realização de atos por videoconferência por parte da autoridade policial. A própria resolução do CNJ contradiz o primeiro argumento da citada Nota Técnica do IBCCRIM, quando diz que somente a União pode legislar em matéria processual. Isso porque, através da Resolução nº 213, de 2015, foi criada a chamada audiência de custódia, até então não prevista formalmente em nosso ordenamento jurídico-processual. Então, era inconstitucional a realização de audiência de custódia? Ou podíamos entender como sendo a regulamentação de um procedimento, que não modificava as regras processuais penais vigentes?


Nota-se, com obviedade, que a falta de argumentos por parte do IBCCRIM é fruto de um garantismo exagerado, hiperbólico, que tenta inibir o bom funcionamento da atividade policial, sempre, ilusioriamente, procurando defender as supostas “vítimas de um sistema opressivo e cruel”.


Esse pensamento, pode-se esperar, que não valoriza os sentidos e formas válidos de apresentação de conduzidos, ignora o sofrimento de vítimas e o real sacrifício do ônus de testemunhar, em nada contribui para assegurar os direitos e garantias constitucionalmente previstos. Pelo contrário. Ataques sem motivação idônea descredenciam e desacreditam as instituições de onde se originam.


Com precisão, Daniel de Resende Salgado já havia identificado que:


“No âmbito do processo penal, a resistência ao fortalecimento legislativo da utilização de instrumentos modernos de persecução criminal, tudo sob os auspícios de uma decidida defesa de perspectivas meramente individualistas, também impera. Com efeito, a partir de tendenciosas críticas, alicerçadas na possível conversão do processo penal em ‘um mecanismo de polícia em um Estado de segurança’, é moldada toda a resistência à adequação de meios investigativos às modernas formas de criminalidade, dentre elas a delinquência econômica”.


RESENDE SALGADO, Daniel de. A elite do crime: discurso de resistência e laxismo penal – Garantismo Penal Integral, p. 107-108.


E que outros não argumentem que ao Estado o que lhe cabe, no caso, é o dever de investir em mais contratação de delegados de polícia. Embora isso possa ocorrer, o que está em evidência é o reconhecimento da juridicidade do uso de videoconferência na fase investigativa, por não encontrar a inovação qualquer antinomia com o direito vigente. Como diz Henrique Hoffmann, em seu artigo intitulado “o delegado pode presidir inquérito policial também de forma remota”:


“Reconhecer que a presidência do inquérito policial possa ser realizada remotamente não significa deixar de perceber que o Estado necessita investir na contratação de mais delegados de polícia para atender à enorme demanda. Trata-se apenas de reconhecer que a Polícia Judiciária não pode fechar os olhos à realidade: deve desempenhar seu mister com o máximo de eficiência sem abrir mão dos meios lícitos colocados à disposição”.


HOFFMANN, Henrique. Delegado pode presidir inquérito policial também de forma remota. In https://www.conjur.com.br/2017-ago-08/academia-policia-delegado-presidir-inquerito-policial-tambem-forma-remota?imprimir=1. Acessado em 21 de abril de 2020.


Enfim, novos tempos, merecem novas respostas, e as novas tecnologias estão ao nosso alcance para que possamos utilizá-las da melhor forma possível, permitindo que a Justiça Penal, como um todo, dê uma resposta rápida e eficiente ao combate à criminalidade, na defesa dos seus cidadãos.


Eficiência não é sinônimo de agressão a direitos e garantias fundamentais; não são antagônicos, mas harmônicos; não se digladiam entre si, mas lutam em busca de um ideal comum: a plena realização pacífica do convívio em sociedade.


Por isso, o mencionado projeto de lei estadual nº 802, de 2019, vem ao encontro dos anseios da sociedade, permitindo um atendimento mais célere, econômico e racional, que atende tanto aos interesses do investigado, que tem uma pronta resposta da autoridade policial, como também aos demais envolvidos naquela ocorrência. Aqui, ao contrário do disseminado por aqueles que adotam um garantismo hiperbólico, todos se beneficiam, uma vez que existe uma pronta resposta pelo Estado, em respeito aos direitos e garantias de todos os envolvidos, direta ou indiretamente, no fenômeno chamado de infração penal.


Rogério Greco

BIBLIOGRAFIA

HOFFMANN, Henrique. Delegado pode presidir inquérito policial também de forma remota. In https://www.conjur.com.br/2017-ago-08/academia-policia-delegado-presidir-inquerito-policial-tambem-forma-remota?imprimir=1. Acessado em 21 de abril de 2020.


KIYOTA DAN, Nyeda Yuri Santos. A videoconferência no interrogatório da prisão em flagrante. In Colloquium Socialis, Presidente Prudente, v. 01, n. Especial 2, Jul/Dez, 2017, p.146-151. DOI: 10.5747/cs.2017.v01.nesp2.s0128


RESENDE SALGADO, Daniel de; e outros. A elite do crime: discurso de resistência e laxismo penal – Garantismo Penal Integral – Questões penais e processuais penais, criminalidade moderna e aplicação do modelo garantista no Brasil. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2017, 4ª ed.;


SILVA FILHO, Antônio Onofre Oliveira da. A atuação remota do Delegado de Polícia. In https://emporiododireito.com.br/leitura/a-atuacao-remota-do-delegado-de-policia, acessado em 18 de abril de 2020.

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